28.9.09

lá fora

as verdades que desconheço e tanto anseio
estão lá
lá fora onde se esconde esse mistério
silencioso
insinuante através das sombras
se escondendo
ora me espreitando
ora dos meus passos
fugindo
me atraindo para ir lá
lá fora
onde me esperam as incertezas
onde são tantas as sutilezas
onde desmoram as fortalezas
que me mantêm aqui
a salvo
dos mistérios que me esperam
lá fora.
.
.
.

Como se muda uma história?



A história da gente, da vida da gente, como se muda?

Ou,
muda-se como?
Mata a gente ficar resmugando
reclamando
maldizendo
chorando
apenas querendo
mundo novo ou só uma vida nova ou só
um dia novo diferente
dos dias tão velhos, que já nascem velhos e ficam
empoeirando a alma.
Como se muda uma história?
alguma
sugestão?
alguém
alguém
alguém?

3.9.09

sobre morrer

Eu vou morrer
Chegará o dia em que será inevitável
Nesse dia não quero dá bobeira
Não quero morrer fazendo algo estúpido
(de modo que alguém ao ver meu corpo inerte diga apenas: "que idiota")
Não quero morrer levando comigo outros que ainda tinham muito a viver
Também não quero ser um babaca e morrer embriagado ou entupido de drogas. Só se morre uma vez e eu não quero estragar tudo.
Como meu amigo Jim, tambem não quero morrer dormindo.
Quero estar bem acordado pra ver a morte chegar, olhá-la nos olhos e dizer: "bem-vinda".

Afinal, como a vida, a morte também deve ser vivida.



"Não me importaria de morrer num avião.
Seria uma boa forma de ir.
Não quero morrer dormindo
ou de idade ou de overdose.
Quero sentir como é...
Quero saborear, ouvir, sentir o cheiro disso.
A morte só vai acontecer uma vez;
não quero perdê-la"
.
Jim Morrison

2.9.09

estranho mundo novo

Sou ruptura, fragmentos plurais
sou falta de consenso, rostos multifaciais.
Vivo a angústia de não saber o amanhã

a verdade que trago não é regra nem será espada
ela se esgota nesse momento, nesse lugar, nesse olhar.

Não tenho fundamentos que me dêem a certeza de permanecer
mas tenho asas e posso voar
e entre tempestades e raios me metamorfosear,
nem que seja só para conservar aquela beleza única e necessária.

Abaixo os tiranos, mesmo aqueles que vivem em nós!
Quero o desconforto de quem sempre procura

o estranhamento necessário de quem
(tão logo acostuma-se a uma idéia)
sente a inadiável vontade de retornar ao caminho
das imprevisíveis possibilidades.

1.9.09

miséri + córdia

misericórdia = miséri + córdia
miséri = miséria
córdia = coração
misericórdia = "colocar a miséria do próximo em nosso coração".
.
. .
. . . não há coisa que mais falta faz!

covarde

sensato?!...
pode
ser
mas
algumas
vezes
me
acho
apenas
um filho da puta de covarde.

constatação

"minha vida é sempre melhor entre outras pessoas... sozinho, só vem à tona o pior de mim".

fundo da alma

Além do horizonte dourado jaz o futuro sonhado,
Os olhos ansiosos do menino acabrunhado sobre a janela aberta
Que revela o mundo ao mundo sem nenhum chilique
Da mulher caseira de cabelos presos e jeito leve,
Compondo a paisagem do dia, do agora louco
Como miragem que vive e dirige o rumo
Da moça feita de desejos ardentes que inundam
Os olhos e contorce os ferrolhos da urbana
Classe jovem, que é espírito infinito e espera
O futuro que é o próximo segundo, que nem mesmo
O fundo da alma pode revelar ao mundo.

Segredos tórridos de uma melancólica história de amor,
Além dos olhos fechados que guardam o querer
Desprezam o poder fantasiando um caminho,
Que é o mundo nas veias do fundo do ser
Da mente intensa do velho mestre de vasta história,
Mesmo em pouca existência.
É a adulta mulher de olhos criança que vêem detalhes
E anseiam atrás das grades um momento único lúcido,
Em loucura imersa tocar o físico e se fechar
No antro animal do homem que deseja o céu
E se ruma ao fundo do ser e arrebenta os limites
Ao chegar ao cume do mundo no antro ofego,
Vasto universo que revela o esqueleto do ser
Que domina a terra e se perde na sua loucura em procura intensa,
Ao horizonte dourado no afago quente,
Num universo totalmente inconsciente.

oito anos

Ele como um outro qualquer que respira foi perdendo e
se perdendo.
Eram tão simples seus anseios e tão tenras suas esperanças
que chorei.

Seu mundo dentro de sua grandiosa fantasia era diminuto
e sozinho.
Era tão doce sua ousadia, tão triste seu olhar de poesia e
era assim.

Depois dos oito anos nada mais se há de fazer
Dizem especialistas que tudo que se é nesse tempo se torna
Ou homem ou moleque, ou herói ou vilão, ou isso ou aquilo.

Com ele foi assim, oito anos e já o mundo cabia nele
Mente velha num corpo criança, fantasias pueris e nem sorri.
Hoje ele tenta pensar, o que fazer com tanta vida que ainda há?

naus descendo por um rio feliz

Como naus descendo pôr um rio feliz...
Os umbrais fixos de uma habilitação segura
Revelam o amor ferido pôr um raio partido
Que escreveu na terra muda sua leda amargura.
Marcou no céu minha estrela com um ponto de giz.

A ruína de um sonho não desperta o mundo
Nem o fundo da alma tem uma porta aberta,
A esperança muda constrói louca seu tudo
Como se no oculto de um caminho soasse um alerta.
Avista-se naus descendo pôr um rio feliz.

lucidez

As melhores coisas acontecem quando não esperamos. É a vida nos fazendo lembrar que o deslumbramento e o encanto, a surpresa e o espanto são tão necessários como o respirar.
As piores coisas acontecem quando mais as tememos. Mas nem todas, algumas só nos lembram que somos humanos e, embora especialíssimos, também estamos sujeito às leis, da gravidade, por exemplo, da relatividade, outro exemplo, do mercado, ainda outro.
Quando eu era pequeno queria ser bombeiro, me imaginava enfrentando o fogo e escalando prédios em chamas para salvar vidas. Depois, queria ser policial rodoviário; não sei bem por que. Depois... eu já estava grande demais para saber bem o que queria ser. Quanto mais crescemos menos sabemos, bem pequenos queremos ser isto e não aquilo. Depois crescemos e os desejos se multiplicam, a cobiça e a inveja entram no nosso mundo e já não sabemos de nada, exceto que queremos competir e vencer. Queremos dinheiro, sucesso e tudo o mais que podermos agarrar a fim de impressionar as pessoas certas (certas?).
Dizem que só recobramos a lucidez, que tínhamos quando crianças, depois, bem depois...
Só então nos lembramos que as melhores coisas da vida acontecem quando não esperamos, acontecem assim, simples como o desejo de uma criança. Percebemos que mesmo as piores coisas são um sopro de lucidez que também faz lembrar que o encanto e o espanto não podem se perder.
Estou buscando a minha lucidez de outrora, ela tem a aparência de um velho navegante atravessando um revolto rio.

Diagnóstico

Estou com câncer, descobri hoje que o que acontece em mim não é um resfriado, uma gripe ou virose, não é dengue nem febre amarela, é câncer. A descoberta veio com a sutileza de um soco no estômago, de um tapa estralado no rosto. É câncer o que corrói minha carne, devora cada parte sadia de mim; como um exército disciplinado ele espalha conquistando os recônditos do meu ser. Um sorriso sarcástico me chega aos ouvidos, meu remorso é patético.
O homem que se acha tão simples e sábio, com seu ar professoral e coisas sensatas para dizer; recebe como uma cusparada de lucidez no rosto. E a senhora lucidez simplesmente mostra o que ninguém, inclusive eu, quer ver: é câncer o que está comendo minha carne, é câncer o que apodrece meus sonhos e faz da minha dignidade uma brincadeira de mau gosto.
Pareço o irmão mais velho do filho pródigo — hipócrita e medíocre, pareço o irmão mais velho de Jacó — inconseqüente e tolo, pareço o carcereiro da cidade de Felipos — carecendo que a minha cela seja também sacudida por um terremoto.
Certo homem disse que o melhor de nós é como trapos de imundícia, pois eu tenho impecavelmente me vestido dos meus sujos trapos; ordeno-os de tal maneira a cobrir com eles minha nudez. Mas o odor fétido da minha carne já impregna minhas roupas e minhas palavras, meu olhar denuncia a perversão que nem meus lábios sabem mais dissimular.
Estou com câncer, podia estar totalmente curado, mas resolvi tempos atrás deixar uma parte de eu apodrecer. Uma necessidade irracional me movia, me move e consome, um desejo por deixar morrer cada parte de mim, uma sede que me faz mergulhar no abismo para beber.Apenas alguma coisa em mim impede que desde agora eu me renda, alguma coisa impede que meus joelhos se dobrem em desistência e uma voz muda me estimula à resistência. O sorriso sarcástico tripudia do meu remorso, cada parte de mim rapidamente se corrompe, resta somente um último esforço para viver, para redescobrir a vida e reviver não mais como o cancerígeno doente terminal que tenho sido.