1.9.09

Diagnóstico

Estou com câncer, descobri hoje que o que acontece em mim não é um resfriado, uma gripe ou virose, não é dengue nem febre amarela, é câncer. A descoberta veio com a sutileza de um soco no estômago, de um tapa estralado no rosto. É câncer o que corrói minha carne, devora cada parte sadia de mim; como um exército disciplinado ele espalha conquistando os recônditos do meu ser. Um sorriso sarcástico me chega aos ouvidos, meu remorso é patético.
O homem que se acha tão simples e sábio, com seu ar professoral e coisas sensatas para dizer; recebe como uma cusparada de lucidez no rosto. E a senhora lucidez simplesmente mostra o que ninguém, inclusive eu, quer ver: é câncer o que está comendo minha carne, é câncer o que apodrece meus sonhos e faz da minha dignidade uma brincadeira de mau gosto.
Pareço o irmão mais velho do filho pródigo — hipócrita e medíocre, pareço o irmão mais velho de Jacó — inconseqüente e tolo, pareço o carcereiro da cidade de Felipos — carecendo que a minha cela seja também sacudida por um terremoto.
Certo homem disse que o melhor de nós é como trapos de imundícia, pois eu tenho impecavelmente me vestido dos meus sujos trapos; ordeno-os de tal maneira a cobrir com eles minha nudez. Mas o odor fétido da minha carne já impregna minhas roupas e minhas palavras, meu olhar denuncia a perversão que nem meus lábios sabem mais dissimular.
Estou com câncer, podia estar totalmente curado, mas resolvi tempos atrás deixar uma parte de eu apodrecer. Uma necessidade irracional me movia, me move e consome, um desejo por deixar morrer cada parte de mim, uma sede que me faz mergulhar no abismo para beber.Apenas alguma coisa em mim impede que desde agora eu me renda, alguma coisa impede que meus joelhos se dobrem em desistência e uma voz muda me estimula à resistência. O sorriso sarcástico tripudia do meu remorso, cada parte de mim rapidamente se corrompe, resta somente um último esforço para viver, para redescobrir a vida e reviver não mais como o cancerígeno doente terminal que tenho sido.

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